Edição 12 - Setembro/2021 | Editorial

Persona analfabeta

Foto: banco de imagem

Uma oficina de criação literária focada em analfabetos soa como para você? Se falamos de leitura e escrita, o que isso teria a ver com quem, justamente, não lê e tampouco escreve? Bem, o Brasil foi construído por trabalhadores majoritariamente analfabetos – contando povos ameríndios, africanos e europeus – que também habitam nossa literatura. 

Claro que cozinheiras, escravos, roceiros e operários nem sempre foram representados de modo positivo. Embora detentores de conhecimentos fundamentais ao sucesso econômico da pátria, não é difícil encontrar escritores imbecilizando uma preta velha – ela que preparou mingau para aqueles que seriam diplomatas e senadores – ou embrutecendo um violeiro – justo ele cheio de virtuosos ponteados e duetos afinados.

Mas houve quem reconhecesse no analfabeto fontes de conhecimentos, e não o tipo infecto a ser curado ou até eliminado da sociedade. Cornélio Pires revelou caipiras de fala aguda, dos mutirões organizados, leitores da fertilidade e beleza da terra. Manuel Bandeira ouviu a língua certa do sertanejo, sua capacidade de domar enchentes e arquitetar festejos coletivos. 

Na oficina “Analfabetos personagens da literatura: do estigma à vida”, Maurina Lima Silva discutiu autores que, como Conceição Evaristo e Itamar Vieira Jr.,  dão conta dessa vida oral comum a tantos brasileiros dignos. Depois de muitas campanhas para erradicar o analfabetismo, às vezes mal planejadas e baseadas em preconceitos, temos hoje cerca de 5% da população iletrada. Um outro país de homens e mulheres que, apesar de relevantes na sociedade, são pouco respeitados.

É essa identidade ignorada por diversas políticas públicas – quando desconsideram que cartilhas sobre covid-19 não serão lidas por todos – e até por intérpretes da nossa cultura – ao subestimarem eficiência e restrições das formas ágrafas de aprendizado – que pulsa registrada aqui em relatos, versos e narrativas para lá de comoventes. Uma reflexão necessária para o oito de setembro: Dia Mundial da Alfabetização.


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