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Em março, duplas de escritoras dão show no programa Segundas Intenções

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Em março, a Biblioteca de São Paulo (BSP) e a Biblioteca Parque Villa-Lobos (BVL) foram palcos de encontros memoráveis durante o mês em que se comemorou o Dia Internacional da Mulher. E para falar de prosa, poesia, fotografia, literatura, feminismo e muito mais, o programa Segundas Intenções, recebeu, no dia 9 de março, na BSP, as autoras Aline Motta e Maria Isabel Iorio. Já no dia 16, foi a vez da dupla Dia Nobre e Ana Estaregui.   

O programa mensal da biblioteca é sempre uma oportunidade única para os participantes interagirem diretamente com escritores, ilustradores, quadrinistas e outras personalidades da cena literária brasileira durante bate-papos literários instigantes conduzidos pelo jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto.

 

Compartilhando inspirações literárias e interagindo com o público

 

Aline Motta e Maria Isabel Iorio


Aline Motta e Maria Isabel Iorio abriram a primeira edição do ano do Segundas Intenções. Nas duas horas de conversa, no auditório da BSP, as convidadas falaram sobre sua vida, obra e experiência com a produção artística e literária, discorrendo sobre suas obras e sobre suas experiências com as diversas produções artísticas que permearam sua vida além da poesia, a pesquisa e a fotografia, no primeiro caso, e o teatro e o slam, no segundo. Além, é claro, de planos para o futuro.

Como de costume, o bate-papo se iniciou com os primeiros contatos das escritoras com a leitura e escrita. Aline Motta aproveitou a oportunidade para elogiar a iniciativa do programa ao trazer a conversa para dentro do espaço da biblioteca e se disse contente por constatar que os espaços ali estavam ocupados, "a biblioteca está realmente viva", comemorou, citando também a importância de ver um espaço de cultura e educação onde antes existiu o Carandiru. Aline ainda ressaltou sempre ter sido uma grande frequentadora de bibliotecas, citando a Biblioteca do Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro como um dos espaços onde pôde desenvolver o gosto pela leitura. Maria Isabel dividiu com o público presente uma história íntima de sua infância, explicando que a vontade de aprender a ler o mais rápido possível aflorou quando sua irmã mais velha chegou à idade da alfabetização, ela também destacou o fato de seus pais serem jornalistas e professores como um fator que influenciou em sua formação como leitora.

Ao longo do encontro, Aline Motta se aprofundou em aspectos do trabalho histórico que realizou ao levantar sua genealogia, a dificuldade em conseguir informações sobre sua ascendência negra e as ferramentas que utilizou nesse processo, como a busca em registros de fazendas e igrejas foram o tema nessa altura da conversa. Outro ponto alto do encontro, foram as reflexões de Maria Isabel acerca do poema Virilha, uma releitura do clássico Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, que levaram a discussões sobre outras releituras, até da própria autora, que revelou estar considerando novos desfechos para os personagens envolvidos no enredo.

 

Dia Nobre e Ana Estaregui


Abordagens e perspectivas originais sobre fatos da história e da vida são traços comuns que unem as autoras Dia Nobre e Ana Estaregui, convidadas do Segundas Intenções, que aconteceu na tarde de sábado, 16 de março, na oca da Biblioteca Parque Villa-Lobos.

Por caminhos diversos e inusitados, por meio da prosa e da poesia, Dia e Ana registram suas marcas particulares, trazendo para o público leitor temáticas relevantes que atravessam a atualidade - desde análises sobre o lugar das mulheres na literatura contemporânea, releituras de fatos históricos que questionam as narrativas que protagonizam os homens, maternidade, até machismo na literatura de cordel e reflexões sobre o próprio ato de escrever.

Dia Nobre é escritora, historiadora e produtora de conteúdo nas áreas de Literatura e História das mulheres. Publicou dois livros de não-ficção, O teatro de Deus e Incêndios da Alma. Já a poeta Ana Estaregui, formada em artes visuais, ministra cursos livres de criação em arte e literatura, atuando também como consultora do projeto Roda de Leitura do Itaú Cultural. É autora dos livros de poesia Chá de jasmim, Coração de boi e Dança para cavalos. Mas quais os caminhos percorridos por Dia e Ana em direção à publicação de livros tão significativos para nossos dias?

Dia Nobre: “Ler um livro é correr riscos”

Nascida em Juazeiro do Norte no estado do Ceará, a vontade de “um dia” poder contar histórias para as pessoas pautou a infância de Dia Nobre. O contato com os livros veio cedo, desde os 4 anos de idade. O interesse pela literatura a levou a participar de grupos de leitura na biblioteca do Sesc Juazeiro do Norte. Foi neste ambiente (Juazeiro é uma cidade mística e foi durante muito tempo o principal pólo de impressão e difusão de folhetos de feira do Brasil) que começa a surgir um olhar crítico da autora para diversas questões que viriam à tona bem antes de se tornar escritora: o contato com a literatura de cordel trouxe questionamentos sobre o machismo que permeia este gênero poético.

Aos 15 anos, já nos anos 2000, Dia integrou a publicação de alguns folhetos lançados pelo grupo Sociedade dos Cordelistas Mauditos que apresentavam uma postura crítica em relação à forma como o folheto tradicional representava as mulheres, os negros e a comunidade LGBTQUIAP+. Publicou ainda em pequenas coleções do Projeto Performance Poética e do Sesc de Juazeiro do Norte.  Foram experiências que vieram a nortear, posteriormente, sua trajetória profissional, na academia e na literatura, com a publicação de obras reflexivas e insurgentes: “Literatura não foi feita para agradar; se não incomodar, não é literatura”, disse Dia.

Em 2003 iniciou o curso de História na Universidade Regional do Cariri (URCA-CE), onde seu prazer de contar e ouvir narrativas, tornou-se sua profissão. Após perceber o apagamento da história das mulheres da história local, decidiu pesquisar a trajetória social das mulheres no Cariri, trabalhando principalmente com a categoria de análise de gênero. Nesse momento, encontrou não só o tema da sua pesquisa acadêmica, que a acompanhou por mais de dez anos (da graduação ao doutorado), mas também viu a oportunidade dar luz à narrativa esquecida e marginalizada de Maria de Araújo, uma mulher negra e pobre do sertão do Cariri.

A intensa pesquisa resultou na publicação das obras O Teatro de Deus, a partir da dissertação do Mestrado (2010, UFRN) e Incêndios da Alma, tese do doutorado (2014, UFRJ), este último vencedor de três prêmios, incluindo o Prêmio Capes de Teses em 2015. No mesmo ano, retomou uma coleção de diários que lhe acompanharam ao longo da sua vida trajetória acadêmica. Ali estava sua verdadeira biblioteca, a matéria-prima para expandir-se na literatura e poesia, como uma necessidade de ser lida não só como historiadora e acadêmica, mas como mulher que escreve. Decidiu iniciar o processo de edição e publicação das poesias e contos que escreveu em seus cadernos, contando com grandes fontes inspiradoras como Isabel Allende, Clarice Lispector, Ana Cristina, Jarid Arraes, entre outras.

Em junho de 2020 estreou na Literatura com o livro de poesias pela Editora Penalux. Ainda em 2020 teve o original do seu segundo livro, Boneca Russa, finalista no Prêmio Caio Fernando Abreu. Em 2021 publicou o livro pela Editora Penalux com um novo título, No útero não existe gravidade. E para 2024, já estão saindo do forno dois lançamentos: seu primeiro romance pela Companhia das Letras e uma reedição de Incêndios da Alma pela Editora Planeta.

Ana Estaregui: “a palavra em muitas instâncias”

Ana Estaregui nasceu em 1987, em Sorocaba. Graduada em Artes Visuais pela FAAP e mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, é visível que a palavra e a escrita sempre ocuparam local privilegiado para Ana: “sempre tive interesse pela palavra, mas, no início, ela estava sempre ligada às artes visuais”, disse, acrescentando: “aos poucos fui migrando para o texto mesmo, especificamente para poesia", explica a autora.

A poeta revela que foi leitora assídua de gibis da Turma da Mônica e livros de Harry Potter, mas foi o contato com a poesia concreta que reforçou a visão sobre a materialidade da palavra – a palavra como objeto. Ana enfatiza que o caminho das artes visuais foi importante para pensar a relação com a espacialidade, como materializar uma imagem. “A poesia está mais perto da pintura do que a própria prosa”, acredita Ana.

É isso que encontramos nos seus livros de poesia Chá de jasmim (Editora Patuá, 2014) e Coração de boi (Editora 7Letras, 2016), ambos contemplados no edital do ProAC. Em 2017, foi finalista do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional (Poesia). Em 2018, a poeta recebeu, com o original do livro Dança para cavalos, lançado em março de 2022, pelo Círculo de Poemas - um clube de poesia formado pelas editoras Luna Parque e Fósforo - o Prêmio Governo de Minas de Gerais de Literatura na categoria poesia. A obra traz 73 poemas, numa linguagem enxuta e direta. Os temas de elementos da natureza, fogo e ar, os bichos e as experiências

Para assistir na íntegra o Segundas Intenções com as duplas de autoras Aline Motta e Maria Isabel Iorio e Dia Nobre Ana Estaregui e outras edições do programa acesse os canais da BSP e BVL no Youtube.