Ateliê Literário | Edição 37 - Outubro/2023

Nosso Brasil: que país é esse?

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Sônia Regina da Silva

Confira o texto produzido pelo participante Sônia Regina da Silva, a partir da oficina Autoritarismo e Democracia: Muros e Furos, ministrada em agosto na Biblioteca Parque Villa Lobos, pelo professor Rodrigo S. de Sá Pedro, no âmbito do projeto Literatura Brasileira no XXI. O encontro propôs estabelecer equivalências e conversas entre Psicanálise, Literatura e Política pensando a importância da democracia e da linguagem enquanto modos de relação, construção, estabelecimento de ações e possibilidades de transformação.

Boa Leitura! 


Somos, talvez, uma mescla de autoritarismo, democracia e fascismo. Diante dessas formas de poder, estamos inconscientemente escravizados por laços emocionais, políticos, históricos, culturais e sociais. Fazemos parte de uma massa comandada por uma elite do poder, à qual atribuímos um valor mítico que se configura em sintomas de fantasias, escolhas, valores e desejos.

Essa elite do poder tem seus discursos esvaziados. Isso acontece quando abusa do autoritarismo ou simula uma democracia. Até mesmo pela tendência de um possível fascismo, que gera a polarização de ideias e comportamentos diferenciados da massa e dos grupos sociais. Portanto, ela é cega a ponto de perder a conexão com a possibilidade de refletir acerca disso tudo.

A reflexão sobre essa realidade nos leva a pensar no Brasil como uma reprodução de poder muito personalizada, isto é, narcisista. E aquele que elegemos para ocupar esse poder é o nosso líder representativo, que acreditamos ser o “Messias”, o “Salvador da Pátria”, de forma a repelir o outro por pensar diferente de nossa ideologia, assim como por estarmos distantes de nos colocarmos no lugar desse outro. Pois, há uma destruição dos laços sociais com o seu semelhante.

E o mais deprimente em relação a tudo é que o poder de idolatria, que atribuímos a quem nos governa, é tão intenso a ponto de nos tornarmos também narcisistas, autoritários, falsos democráticos ou até mesmo fascistas ao gerarmos embates ideológicos, decorrentes das intolerâncias em relação aos pensamentos divergentes dos nossos ideais na vida diária. Ou seja, há uma polarização de discursos de ódio e violência entre a massa e os grupos sociais dos quais fazemos parte.

Estamos diante de um excesso inconsciente de hierarquia, que impossibilita a massa e os grupos sociais a pensarem o futuro de forma diferente daquela em que se atribui um poder de prestígio ao líder governante, considerado como o modelo de identificação do “eu” ideal.

O líder governante é alguém seguro de si, adorado pelas massas e pelos grupos sociais, que aceitam os seus comandos e desmandos por ser considerado dotado de perfeição e completude. Isso, no entanto, é o próprio aniquilamento dos governados, sujeitos de direito sem consciência de que essa imagem de líder é predadora da liberdade e incitadora da intolerância emocional, política, histórica, cultural e social no país, desagregando os laços sociais.

Que tolice que é a inteligência brasileira diante dessa elite do atraso! Infelizmente, essa é a história do nosso Brasil, cheio de fascínio pela obediência sem questionamentos, em que as relações são marcadas pelo domínio da elite do poder e pela dominação da massa e dos grupos sociais que divergem entre si.

É evidente o abuso do autoritarismo, que não contribui para a cidadania, pois se opõe a uma democracia. Esta, por sua vez, revela suas falhas por não ser genuinamente democrática. Assim, surgem tendências fascistas de um poder que aniquila a liberdade social ao instaurar a violência como um modo de ação. Isso visa esmagar os direitos dos indivíduos, motivados pelos sentimentos de estranheza e hostilidade em relação a diferentes ideologias.

Contrariamente às ações de ódio e hostilidade, façamos da política a forma de expressão da liberdade social, levando em consideração o sujeito na sua pluralidade como também em sua singularidade, além do convívio e do laço social que devem existir diante das diferenças, e não como uma ameaça ao nosso “eu” de modo a repelir o outro que é o próprio reflexo do que somos. Assim, visemos à desconstrução de um país marcado pelos discursos polarizados e pelas intolerâncias diárias, já que a política pode ser vista como a representação dos afetos.