Ateliê Literário | Edição 43 - Abril/2024

Entenda o Caboclo Caipira

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Sônia Regina Silva

Confira a produção literária de Sônia Regina Silva, a partir da oficina “A Literatura do Brasil pelo Norte”, conduzida por Yurgel Pantoja Caldas, professor e pesquisador da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em fevereiro.

Boa leitura!

Miguelzinho, um caboclo enraizado no sertão do Brasil colonial, carrega consigo as marcas da terra árida e hostil. Ele é o sertanejo, um produto da natureza que não conhece escolas nem meios de comunicação. O mundo da civilização lhe é estranho, e sua vida se desenrola em uma configuração rural específica, onde a seca racha a terra sob seus pés e a chuva encharca suas botas.

O colonizador europeu, invasor das terras alheias, impôs sua cultura sem cordialidade. Miguelzinho é o homem rústico, o “incivilizado”, mas também é o guardião das histórias e tradições. Ele desbrava o sertão, cortando matos e enfrentando o sol ardente. Sua rotina diária oscila entre o espaço “não civilizado” e o urbano, onde os meios de comunicação tecem uma nova cultura.

Na cidade, Miguelzinho trabalha incansavelmente para sustentar a família. Por muito tempo, o caboclo foi considerado subalternizado pelo homem branco, alheio à perspectiva de vida da sociedade “civilizada”. No entanto, sua força e resiliência o tornam mais do que um mestiço. Ele é a síntese da modernidade, o elo entre o passado e o presente.

Miguelzinho, o caboclo, é um homem que se funde com a própria terra. Ele ocupa o espaço do sertão, onde a civilização parece distante e inalcançável. Sem formação intelectual formal, ele enfrenta o sol rigoroso e a terra quebradiça, cortando matos e desbravando o desconhecido. Seu corpo é marcado pelas cicatrizes da labuta diária, e sua mente é um baú de histórias e tradições.

Mas, Miguelzinho também é um ser em constante adaptação. Ele não se limita ao sertão; ele se insere no espaço urbano, onde os meios de comunicação propiciam uma nova cultura. A cidade, com seus sons estranhos e luzes ofuscantes, não o intimida. Ele é o caboclo que assiste à televisão, ouve rádio e lê jornais. Essa dualidade o define: o homem da terra e o homem da modernidade.

E dentro dessa subjetividade peculiar, Miguelzinho se acomoda sem empecilhos. Ele é o Jeca Tatu que se supera, o herói anônimo que enfrenta o desconhecido com resiliência. Sua trajetória não é linear; é uma dança entre o passado e o presente, entre o sertão e a cidade. Ele é o caboclo-herói, a síntese da modernidade que se ergue sobre as raízes profundas da terra.

Miguelzinho, o caboclo, deixa sua marca por onde passa. Sua rotina é uma dança entre a cidade e o sertão, entre o trabalho árduo e o retorno para casa. Ele se move como um elo entre dois mundos: o rural e o urbano.

No Brasil colonial, o caboclo foi muitas vezes subalternizado pelo homem branco. Considerado um mestiço à margem da ideia de nação, ele enfrentou a falta de perspectivas de vida. No entanto, Miguelzinho não se limita a essa definição. Ele é mais do que um rótulo; é a própria essência do sertão brasileiro.

Sua força e resiliência o fazem transcender fronteiras. Ele é o interior desse país, a compreensão viva do sertanejo. Suas raízes são miscigenações, e suas possibilidades de contato com o estrangeiro e sua cultura são vastas. Como Guimarães Rosa disse: “O sertão está em todo lugar e é o nada…” – uma geografia que vai além do físico, que se estende até o âmago da alma.

Miguelzinho é o caboclo que se supera, que se torna o próprio sertão. Sua trajetória é uma jornada de resistência, esperança e identidade. Ele é o herói anônimo que nos ensina a enxergar para além das aparências e das fronteiras geográficas.Então Miguelzinho voltou para casa depois de mais um dia de trabalho. Mas aquele dia seria um pouco diferente, porque começou a passar pela sua mente quantas pessoas de sua rua – sempre aquela com a ladeira em que prevalecia a terra e a poeira no verão e algumas poças de lama na temporada de chuva – sabiam o que ele fazia; do que sobrevivia e como ajudava sua vó no sustento da casa. Na verdade, aquele retorno para casa seria um longo caminho de muitas sensações, alguma esperança e boa dose de desencanto.