Edição 31 - Abril/2023 | Tema
Canção-assentamento
A canção é um discurso poético primordial em que música e palavra estão intrínseca e dinamicamente amalgamadas para construir uma narrativa de muitas camadas de sentido. Essa qualidade polissêmica faz da canção um espaço de risco e trânsito; uma força agregadora de gestos, imagens e metáforas individuais, coletivas, contemporâneas ou atemporais. Já a vocalidade é gesto humano atávico: a voz é elemento fundante da nossa experiência no mundo, tanto do ponto de vista sonoro (e a capacidade de soar) quanto da articulação da linguagem. A canção tem na voz humana o suporte do discurso; a voz, por sua vez, é território em que habitam memórias, afetos e singularidades, que são precipitados de modo muito especial no dizer-cantar da canção.
Assim, o objetivo da oficina “Canção-Assentamento: terra, território e terreiro” foi criar uma composição coletiva por meio de sobreposição de sons registrados pelas participantes, a partir das referências, provocações e reflexões despertadas ao longo dos encontros. Os materiais sonoros, todos gravados pelas participantes, incluem a leitura de textos autorais ou de outros autores, e que de algum modo representem sua relação com a terra; sons externos (da cidade, da natureza, etc.); e sons produzidos com a voz ou com o corpo.
Para as gravações vocalizadas, foi feita a seguinte sugestão de procedimento:
- ouvir algumas músicas da playlist do projeto [ Youtube: https://youtube.com/playlist?list=PLK8yrq6tR6p0VLL-FjVKGGuurDeXgY6p1&feature=shares ] [Spotify: https://open.spotify.com/playlist/4tjduyxcu5eF9EGw2il1w6?si=7b899b53d88444c2 ], de modo a alimentar as sensibilidades com sons e canções que conversam com as temáticas propostas na oficina;
- depois de ouvir, ficar de olhos fechados, respirar fundo e não pensar muito;
- “imitar”, com a voz e/ou com o corpo, sons de modo bem simples, desimportantes: sons da natureza (pássaros, rios, chuvas, ventos, insetos etc.) e sons da cidade (ruídos de carros, pessoas falando indistintamente, crianças brincando etc.);
- cantarolar ou entoar melodias, com ou sem letra;
- também fazer esse mesmo procedimento antes de gravar a leitura do texto escolhido.
De posse das gravações enviadas, o procedimento composicional foi o de recortar e “empilhar”, em programa de edição de música, os vários trechos, formando camadas sobrepostas de texturas, melodias e pulsos. Uma polifonia sonora que desenha uma narrativa não linear, um discurso mais espesso que assenta simultaneidades, relações multidirecionais, rasuras, frestas, espaços.
A composição coletiva “canção-assentamento” traz as vozes das participantes (em ordem alfabética) Francilene Monteiro da Silva, Karina Hide Sugiyama Idehara, Karlene Bianca de Oliveira, Maria Nilda Rodrigues dos Santos e Sônia Regina da Silva. Edição, montagem e mixagem realizadas por mim em fevereiro/março, durante oficina que ofertei para a Biblioteca Parque Villa-Lobos, dentro do projeto Literatura Brasileira no XXI, parceria da SP Leituras com a UNIFESP.
Juliana Amaral (1973) é cantora, compositora, artista gráfica, professora e escritora. Tem cinco discos autorais lançados e participou de inúmeros espetáculos, CDs e DVDs de artistas de sua geração. Recém-formada em Letras pela FFLCH-USP, tem dois livros publicados. Seu trabalho artístico destaca-se por um refinado acabamento técnico, cênico e musical que lhe rendeu a admiração de público, músicos e crítica especializada, numa carreira longeva que completa 30 anos em 2023.