Edição 28 - Janeiro/2023 | Entrevista
Os elos da literatura com a religião e a democracia
O discurso religioso e político sempre marcou presença na literatura. Dependendo do enredo, os temas podem até passar despercebidos, mas basta um olhar mais apurado para identificar sua existência dentro das mais diversas histórias. Trazer a atenção do leitor para esses tópicos foi a proposta da oficina "Literatura, Religião e Democracia em Perspectiva", realizada entre 4 e 25 de novembro, na Biblioteca de São Paulo, pelo professor de Língua Portuguesa e doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp Thiago Maerki. Em quatro encontros semanais, os participantes analisaram diversos textos com a missão de identificar os conteúdos do tripé acima em sermões, poesias, crônicas, contos e romances.
Na primeira aula, o professor focou o conteúdo no sermão e apresentou suas características mais marcantes, como o fato de ser um discurso assimétrico, onde só o orador possui a palavra; incorporar a retórica clássica com várias estratégias para convencer o público ouvinte; e ter como finalidade persuadir os ouvintes, ou seja, possuir um viés catequético. “Além disso, traz várias nuances de natureza jurídica, com sua retórica extraída do ambiente dos fóruns”, observa Thiago.
Os sermões também carregam um grande viés político, inclusive os proferidos pelo Padre Antônio Vieira (1608 – 1697), no século XVII. “Não existe nada mais politizado do que a religião, essa ideia de que não existe relação entre política e religião vai na contramão do que a história nos conta”, constata o professor, lembrando que os sermões podem ser considerados como as redes sociais do século XVII.
A poesia é outro gênero literário impregnado de temas político-religiosos. Como exemplo, temos os textos de Gregório de Matos, um cristão pertencente ao Barroco, que não poupou críticas à sociedade, governos e Igreja Católica. O mesmo acontece com Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, Política, de Carlos Drummond de Andrade, Poema aos Homens do nosso Tempo III, de Hilda Hirst, e Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. “A poesia sempre foi um canal de denúncia das mazelas sociais, dando voz às periferias e comunidades. Uma arma contra as injustiças e um campo frutífero para protestos”, comenta o professor.
Crônicas, contos e romances
Se tivermos que definir um gênero literário onde a política e a religião estão mais presentes, com certeza será a crônica. Os textos curtos, objetivos e diretos são recheados de opiniões e críticas aos fatos do cotidiano. “Usei como base para debater as crônicas dois textos com a temática da Copa do Mundo. Apesar de terem uma linguagem diferente, as crônicas escritas com quase um século de diferença contêm praticamente a mesma reflexão. Resumindo: não melhoramos nada como sociedade política”, analisa Thiago. Os textos escolhidos foram País Rico, de Lima Barreto, publicado em 1920, e O Álbum da Copa, de Antonio Prata, de 2014. Também foram trabalhadas as crônicas Da Salvação da Pátria, de Carlos Heitor Cony, e A Eleição Diferente, de Carlos Drummond de Andrade.
Para contextualizar os temas da oficina nos contos e romances, Thiago frisou que os dois são gêneros irmanados, mas existem pequenas diferenças entre as duas narrativas. “Nos contos, além dos textos serem reduzidos, há poucos personagens, geralmente com apenas um núcleo dramático, e o enredo é mais fechado em termos de temporalidade.” Como exemplo apresentou trechos de Memórias de um Sargento Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, e Os Sertões, de Euclides da Cunha.
Durante as aulas, os participantes tiveram a oportunidade de escrever pequenos textos de acordo com a temática do dia. “Algo que os alunos relataram com frequência foi o fato de que mesmo com a diferença temporal entre uma produção e outra, os textos apresentados possuíam um toque de atualidade. Uma descoberta especial, afinal muito se falou sobre a mistura de política e religião na última eleição, mas não há nada de novo nisso”, finaliza o professor.