Edição 16 - Janeiro/2022 | Entrevista
A modernidade do século XIX
Modernos, antes de 1922. O objetivo da oficina ministrada pela professora de literatura da Unifesp, de Guarulhos, Francine Fernandes Weiss Ricieiri e realizada nos dias 6, 13, 20 e 27 de novembro, foi mostrar aos participantes que a ideia de modernidade na literatura brasileira começou bem antes do movimento modernista, ou seja, com os escritores simbolistas do século XIX, como Alphonsus de Guimaraens (1870 – 1921), Cruz e Souza (1861 – 1898), Gonzaga Duque (1863 – 1911), Pedro Kilkerry (1885 – 1917), João do Rio (1881 – 1921) e Gilka Machado (1893 – 1980).
Na leitura dos poemas desses escritores é possível perceber a forte presença da temática urbana, dos conflitos sociais da época e também uma crítica severa ao mundo capitalista. “Os poetas do século XIX não estão em uma posição de contemplação das belezas do mundo como os historiadores os colocam. Eles estão em embate com a sociedade, estão deslocados do centro, marginalizados, vivendo em situações paupérrimas, precisando trabalhar em jornais para pagar as contas”, diz Francine.
No primeiro dia da oficina, os participantes conheceram alguns poemas de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa com a temática do que é ser escritor dentro desse contexto social. Ou seja, como os versos revelavam as divergências em relação aos valores do capital. Já o segundo encontro focou na figura do leitor. A ideia era mostrar como os poetas estabeleciam uma relação com o público, muitas vezes tensa e conflituosa.
A terceira aula mostrou o movimento dos poetas europeus nos versos de Charles Baudelaire, que produzia poemas com essa temática há 50 anos. O último dia foi reservado para a obra de Gilka Machado, que trouxe o olhar feminino para o movimento literário da época, com uma narrativa voltada essencialmente para o erotismo, mas também direcionada aos problemas sociais. O texto inovador de João do Rio também foi destaque na aula, traçando uma ponte entre a literatura e o jornalismo.
Segundo Francine, os textos e o estilo de vida desses escritores, somados com a contextualização social e econômica da época, servem para mostrar que o conceito de modernidade é muito mais amplo do que o apresentado pelo movimento modernista e pelo registro dos próprios historiadores e críticos do período. “Existe um paradigma na história do movimento modernista que precisa ser quebrado. Parece que o movimento modernista rompeu com tudo o que existiu anteriormente e isso não é verdade. Mario de Andrade, por exemplo, era um grande leitor de Cruz e Sousa e podemos ver traços da estética do poeta no livro Pauliceia Desvairada, do Mario de Andrade”, explica.
Grande parte desse equívoco é provocada pelo fato de a voz do movimento ser traduzida em forma de manifestos, bem ditatoriais e cheio de regras. “É importante mostrar que a literatura não é um processo evolutivo, onde o último período é o mais importante ou o melhor. Anos depois, o próprio Mario de Andrade afirmou que foi injusto com os simbolistas”, finaliza.
João do Rio e a modernidade no jornalismo
No encerramento da oficina “Modernos, antes de 1922” aconteceu a palestra sobre a vida e obra do jornalista, escritor e dramaturgo João do Rio. As professoras Tânia Regina de Luca e Sílvia Maria Azevedo, da Unesp, retrataram o Rio de Janeiro da época vivida pelo jornalista e sua predileção por dar voz a personagens esquecidos pela sociedade, como prostitutas, presidiários e trabalhadores braçais. Além disso, foi apresentado o estilo inovador de seu texto, com o uso de técnicas literárias, como a descrição dos locais e das características físicas dos entrevistados. Um estilo que ficou posteriormente conhecido como crônica-reportagem e usado até hoje por grandes nomes do jornalismo.
Para quem deseja conhecer um pouco mais sobre a obra de João Rio, a professora Francine Ricieri recomenda o livro O momento literário, que traz uma compilação de entrevistas feitas pelo jornalista.