Edição 22 - Julho/2022 | Entrevista
A efervescência modernista na América Latina
O que é ser latino-americano para você? Foi com essa provocação que a jornalista e professora de Literaturas em Língua Espanhola, na faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp, Joana Rodrigues, começou a série de quatro encontros da oficina-online Modernismos nas Vizinhanças Latino-Americanas, realizada pela Biblioteca de São Paulo. O questionamento tem razão de ser, afinal o Brasil está tão próximo geograficamente dos 19 países que compõem a América Latina (AL), mas extremamente distante em termos de identidade cultural.
Esse afastamento não é algo recente. O movimento modernista que acontecia na região antes mesmo do início dos anos 1900, marcado pelas produções de diversos artistas, escritores e poetas, teve pouca influência nas obras dos protagonistas da Semana de Arte Moderna de 22 no Brasil, que mantinham os olhares voltados para os acontecimentos culturais da Europa.
Até mesmo as raízes do modernismo latino-americano tiveram um contexto histórico totalmente diferente. Enquanto no Brasil o movimento nasceu essencialmente sob o viés artístico, na AL foi decorrente de estabilidade econômica, em especial para a classe média, que facilitava o acesso da população aos livros, jornais e revistas. “Os periódicos eram o ganha-pão dos principais escritores da época, que passaram a divulgar seus contos e poemas nessas publicações. Além disso, o maior poder aquisitivo permitia que as pessoas frequentassem os cafés e os centros culturais, contribuindo para a circulação de ideias”, descreve Joana.
Pode-se dizer que a literatura foi a porta de entrada do modernismo na AL, encabeçado por escritores de vários países, como o argentino Oliverio Girondo (1891 - 1967), o nicaraguense Rubén Darío (1867 - 1916), o cubano José Martí (1853 – 1895) e o uruguaio Horacio Quiroga (1878 - 1937). Além deles, o movimento também contou com duas importantes representantes femininas: a uruguaia Delmira Agustini (1886 – 1914) e a argentina Alfonsina Storni (1892 – 1938). “Na busca por uma ruptura estética e linguagens inovadoras, os textos e poemas produzidos pelos escritores continham uma mistura de gêneros e utilizavam várias práticas discursivas antes não consideradas como literárias, como a linguagem coloquial, o visual, a oralidade na expressão da palavra e até o silêncio”, explica Joana.
O México também fez parte do movimento. Segundo a professora, a morte, tema tão presente nas artes do país, serviu de inspiração para a literatura, aparecendo sempre de forma engraçada, colorida, dançante, festiva e regada a muita comida e bebida. “O poeta Octavio apresenta no livro O Arco e a Lira um estudo profundo sobre o que é ser mexicano e a influência da cultura indígena na identidade nacional."
Ao longo das oficinas, Joana fez a leitura e análise de textos e poemas dos escritores apresentados. “Concordo muito com uma afirmação do Octavio Paz quando ele diz que não existe uma leitura terminada de um poema. A poesia é enxergada de acordo com aquilo que cada um carrega dentro de si.”
No último encontro, os participantes contaram com a presença especial do professor de literatura hispano-americana da UFSCar, Wilson Alves-Bezerra. A temática da apresentação centrou-se no papel da mulher na literatura. Dentro desse contexto, Wilson explicou que nenhuma mulher conseguiu publicar uma poesia ou prosa sem passar por um homem, seja como editor ou como incentivador. Tradutor da obra de Alfonsina Storni para o português, o professor trouxe ainda informações sobre a trajetória de vida das poetas Delmira Agustini e da uruguaia Maria Eugenia Vaz Ferreira (1875 – 1924).